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16/03/2009 03:00
ROGÉRIO MACANHÃO: “REFORMA TEM AVANÇOS E ATRASOS”
O presidente da Fenafisco – Federação Nacional do Fisco -, Rogério Macanhão carrega sobre os ombos uma enorme responsabilidade – liderar a luta dos auditores fiscais por uma Reforma Tributária justa, que não penalize os mais pobres em favor dos mais ricos. Nessa empreitada, ele vem acompanhando de perto todo o processo seguido pela reforma no Congresso Nacional e, nesta entrevista, chama a atenção para os avanços e retrocessos contidos no texto da Reforma. Esta semana, Macanhão participou da abertura do 7ª Conefisco realizado em Natal na sede do Sindfern, que completa, em 2009, 20 anos de existência. Entre seus alertas importantes, o perigo que ronda o país de um aumento ainda maior de poder do Estado brasileiro sobre os tributos, considerados hoje os mais altos do mundo. E adverte, que se a Reforma passar como está, “será uma centralização total por parte do governo do poder de legislar”. Afinal, a Reforma Tributária ainda demorará a sair? Muitos pensam que a Reforma Tributária está parada, mas não é verdade. É um dos projetos que andaram com maior velocidade no Congresso Nacional. Ele foi protocolado no final de fevereiro de 2008 e ao chegar o final do ano essa PEC (Projeto de Emenda à Constituição) foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Como é o trâmite de uma PEC no Congresso? Ela pode ter origem tanto no próprio Legislativo por parte de 1/3 dos deputados ou 1/3 dos senadores; pode iniciar da maioria absoluta das câmaras legislativas do Estado ou então a partir do Presidente da República. A PEC da Reforma Tributária originou no Executivo e foi protocolada no final de fevereiro. Passou por uma comissão de constituição e justiça e teve seu mérito discutido por uma comissão especial, cujo prazo para encerrar o seu trabalho é de até 40 seções. Nesse momento ocorrem audiências públicas dentro do Congresso Nacional e em outros diversos locais para os quais a comissão se deslocou. E agora? Ela está pronta para ser deliberada em plenário, portanto, pode ser aprovada a qualquer momento. Na opinião do senhor esse projeto, tal como está, tem muitos problemas? Esse projeto recebeu no Congresso o número 233, de 2008, após o que foram apensados diversos projetos de Reforma Tributária e resumidos num só o que hoje se chama PEC 31 A. Esse projeto exibe alguns avanços que entendemos serem satisfatórios porque melhoram o sistema. E há avanços bem tímidos, que poderiam ser bem melhores. E há alguns pontos em que o projeto é absolutamente nocivo. Vamos começar pelos aspectos bons. Quais são? Um dos aspectos onde há uma evolução do sistema é a transferência da tributação da origem para o destino, no caso do ICMS. O que isso representa? Significa que os estados menos ricos saíram beneficiados, pois são estados consumidores – que recebem produtos de outros. Hoje, a tributação se dá em quase toda a sua totalidade no local onde se está produzindo a mercadoria. A partir dessa reforma se dará, quase na totalidade, onde é consumido. É o caso do ICMS... Exatamente. Esse é o exemplo maior, aquele que a gente vê todos os dias. A alíquota básica do ICMS na maioria dos produtos é de 17%. Esse produto chega ao Rio Grande do Norte com uma alíquota de 7%. Ou seja, os 7% foram recolhidos no estado de origem, de onde vem grande parte das produções – São Paulo, Rio, Minas ou qualquer outro estado que seja produtor. Mas quando esse mesmo produto chega ao RN tem uma tributação de 17%. Em suma, se o contribuinte tiver lucro zero, ele terá recebido um produto por 100, mas como existe uma tributação de 7% no estado de origem e 10% no estado de destino, você porde imaginar a situação do contribuinte potiguar. E com a reforma como fica? Pela nova filosofia essa tributação muda para 2% no estado de origem e 15% no destino. Ou seja, transfere quase toda a sua totalidade para o destino, beneficiando o estado. Esses 2% que ficaram na origem nem podem ser levados em conta, já que contemplam algum trabalho que fez por merecer o percentual. Mas, com certeza, vamos mudar o foco de tributação no País. Não deixa de ser um grande avanço. E vai beneficiar quase todos os estados do Nordeste, com exceção da Bahia, que hoje é um estado bastante produtor. Nos cálculos da Fenafisco, dos estados nordestinos, a Bahia é o único que não desfrutará de vantagens nessa nova sistemática, mas certamente os estados no Nordeste como um todo serão grandemente beneficiados com essa mudança. E o que merece um acompanhamento maior nessa reforma? Há alguns pontos que, embora sejam positivos, são tímidos e poderiam ter ido além. Por exemplo, fala-se muito da questão da cumulatividade, ou seja, que nossos tributos são cumulativos, que incidem em cascata – aqueles tributos que as pessoas vão pagando e não se compensando. O empresariado reclama muito disso e, com a reforma, esses pontos avançaram, mas pouco perto do que seria o ideal. Seria hora de resolver esse problema no Brasil. Diz-se que esses pontos simplificam a tributação, mas simplificam pouco. E eu pergunto: se simplifica apenas a metade, por que não simplifica o todo? Por que não aproveita para simplificar de vez? Qual seria a solução então? A simplificação realmente seria diminuir o número de tributos no País. Ora, temos uma carga tributária altamente regressiva, ela é injusta. Essa regressividade faz com que as pessoas mais carentes, mais pobres, na proporção da sua renda, paguem mais tributo do que as pessoas ricas. A pessoa com poder aquisitivo menor praticamente consome toda a sua renda. Enquanto isso, as pessoas que têm uma renda maior fazem investimentos e essa parte não entra no consumo e, automaticamente, elas não pagam tributos por isso. O remédio seria reduzir a regressividade. E tem como se fazer isso? Tem sim. A primeira providência seria a redução total nos tributos que são de consumo popular, focando nos tributos embutidos, por exemplo, no arroz e no feijão. A compensação para o risco viria de outras taxações de quem pode pagar. Não só isso, deveria se focar mais a tributação sobre o Imposto de Renda, que está muito deficitária. Há vários setores que não são tributados no IR e que têm divisas que saem do país sem tributação. Por exemplo? Ah, são muitos os exemplos. Há lucros que são mandados para o exterior sem tributação. Há casos de dividendos sobre o patrimônio próprio utilizados em empresas e que não têm tributação. Trata-se de uma questão muito técnica. Mas a redução do número de tributos sobre o consumo ajudaria muito a resolver esse problema. Nesse contexto, a Reforma Tributária resolve apenas um pedaço do problema. Ela aglutina o PIS, Confis, o Salário Família em um IVA (Imposto Sobre Valor Agregado), mas deixara três de fora: o ICMS, que é de competência dos estados; o ISS, que é de competência dos municípios e o IPI, que é de competência da União. Não entendo porque a União quando tenta simplificar deixa de fora o IPI, que é um imposto forte e que incide sobre o consumo, incide sobre o setor produtivo. Seria a hora de trazer todos esses tributos sobre o consumo para dentro de um único tributo, com tendência de redução de carga tributária. Juntar tudo numa única base de cálculo. Esse já não seria um aspecto nocivo da Reforma? Certamente. Cria-se um novo tributo em cima do consumo. Retira-se parcela da tributação da folha de pagamento dos empresários, só que se joga isso dentro do consumo – ou seja, tirando de um lado e jogando do outro, prejudicando mais o sistema nesse sentido e agravando, ainda mais, o problema da regressividade tributária no País. Se é certo que não se pode onerar a folha de pagamento, igualmente não é justo que se onere o consumo. Isso prejudica o sistema tributário no Brasil. Mas o IVA não é uma tendência moderna dentro da tributação? Verdade. Ele, inclusive, já existe nos países do Primeiro Mundo. Há um IVA que já congrega todo o mercado comum europeu e que aparece com uma base de tributação muito ampla. Ora, uma vez que há aqui um novo tributo, que pode incidir sobre todos os bens e mercadorias, isso significa que este tributo federal pode entrar no ICMS, tributo estadual; entrar no ISS, tributo municipal; entrar no ITCMD, que é um imposto de transmissão causa mortis e doação, de competência dos estados; pode entrar no ITBE, imposto de transmissão de bens e imóveis, competência do município...olhe perigo! Em vez de transformar todos esses que acabei de falar num único tributo, cria-se outro que pode entrar na base de todos que já existem. E isso só leva a uma conclusão: aumento de carga tributária. A Reforma Tributária não leva em consideração esse problema? Em momento algum há cálculos do governo federal sobre esses números. Já a Fenafisco fez um trabalho onde quantifica tudo isso. Ora, nós como uma entidade sindical colhemos esses números; já uma entidade governamental, que teria muito mais facilidade em coletar esses números, teria como obrigação trazer esses números ao debate. Não fez. Existe algo ainda pior na Reforma Tributária do que tudo isso que o senhor falou? Se a Reforma Tributária for aprovada como está, a União vai poder legislar sobre 93,2% dos tributos nacionais. Quer dizer, vai acabar com o poder dos estados e dos municípios. Será uma centralização total do poder de legislar. E a União, sem dúvida, sairá muito fortalecida dessa reforma, pois poderá legislar sobre a quase totalidade dos tributos deste país. E os estados perderão a competência de legislar, por exemplo, sobre o ICMS. Não será mais a Assembléia Legislativa a fazer isso; será sempre o Congresso Nacional. Ou seja, o Governo vai poder mexer nos tributos a hora que ele quiser. E isso será um grande problema para os Estados... Sem dúvida. Imagine que o governo do estado necessite dar um benefício fiscal a um determinado setor por problemas, digamos, sazonais e que só quem vive na região sabe e pode legislar e resolver para intervir na economia local....isso vai acabar, pois dependerá em última análise da anuência dos outros 26 estados da Federação. Ou seja, ficará na dependência de uma decisão mais complexa, envolvendo o Legislativo Federal. Em minha opinião, acabar com o poder local é enfraquecer a democracia, pois ela pressupõe também a descentralização. E bate de frente com um dispositivo constitucional, que é o artigo 60, parágrafo 4 – refere-se à impossibilidade de uma emenda na Constituição quebrar o pacto federativo. E embora a comissão de justiça não tenha entendido assim, nós entendemos que essa independência dos estados deve ser ampla. Não pode ser uma independência apenas sobre seus servidores; deve ser uma independência administrativa que pressuponha uma independência legislativa também. Convenhamos, é muito mais difícil a população intervir em Brasília do que numa assembléia legislativa de seu estado. Trata-se de um péssimo negócio que está se fazendo nessa reforma. É fácil ser auditor fiscal no Brasil? Acredito que seja uma das profissionais mais difíceis no Brasil. Primeiro porque o auditor fiscal entra no patrimônio das pessoas e isso ninguém gosta. O segundo aspecto é que em hipótese alguma as pessoas admitem interferências em seus negócios - principalmente quando isso produz uma penalidade. Mas eu diria: graças a Deus existe essa profissão... Por que? Porque na hora que o fiscal entra no patrimônio de alguns ele opera em benefício da coletividade. Se não há fisco, não há receita. Não existindo receita, o Estado não funciona. O sistema tributário está na base na Humanidade. Estado não existe se não existir tributo. Quando não existia o tributo, existia a usurpação – um tirando do outro pela força, pela escravização. Quando defendemos um sistema tributário diferente é porque buscamos um sistema tributário justo. Hoje queremos um fisco assim – que tribute, mas com justiça. Não pode ocorrer confisco; deve-se esperar que a iniciativa privada cresça também. E a grande parcela disso deve ser revertida para a coletividade. Fonte: Tribuna do Norte