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26 de agosto de 2024

Reforma administrativa em ação: carreiras públicas e desenvolvimento

 

Portaria 5.127/24 é o primeiro normativo técnico sobre carreiras da administração pública federal desde a Constituição de 1988

 

A publicação da Portaria 5.127/2024 pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos representa o primeiro normativo técnico sobre o tema das carreiras da administração pública federal desde a Constituição de 1988. Ela abriu, com isso, um debate público mais organizado e qualificado sobre esse que é o aspecto mais complexo e tenso de qualquer iniciativa governamental no campo da reforma administrativa, onde nada que de verdade se queira fazer para incrementar as capacidades e o desempenho institucional do Estado a partir do seu sistema de carreiras é rápido, fácil ou barato de se resolver.

De saída, é importante distinguir os dois campos que se antagonizam nesse debate. De um lado, perfilados a um ideário de Estado mínimo que supõe ser a burocracia estatal um entrave ao movimento livre, leve e solto do mercado, estão aqueles que enxergam a reforma administrativa – e, portanto, a reforma do sistema de carreiras públicas – como mais um instrumento para a redução dos gastos com pessoal e redução do próprio raio de atuação governamental.

Claro que essa defesa é feita em nome da eficiência (mais que da eficácia ou efetividade!) da máquina pública, visando possíveis ganhos de produtividade dos funcionários e das organizações, mas isso é muito mais retórica que consequência certa de tais medidas. Não por outra razão, esse tipo de abordagem possui viés fiscalista (a favor da redução dos gastos com pessoal), punitivista (a favor da demissão de servidores por insuficiência de desempenho individual) e impositivo (já que para ser implementada essa vertente depende de reforma drástica na Constituição, tal qual a sugerida pela PEC 32/2020).

De outro lado, por sua vez, há aqueles que entendem ser o Estado o principal polo formulador e indutor – em articulação ativa com setores empresariais e da própria sociedade – do desenvolvimento nacional. Nesta perspectiva, importam não apenas um bom projeto de país e de futuro, mas também as condições políticas, institucionais e governativas para a sua implementação eficaz ao longo do tempo.

A sustentabilidade e a legitimidade política e institucional dos governos devem estar assentadas em uma boa estrutura estatal republicana e em um bom sistema democrático de representação parlamentar, participação social e deliberação coletiva. A Constituição Federal de 1988 formatou isso de maneira bastante razoável no caso brasileiro.

Já as capacidades de governo dependem, no Brasil, de estruturas organizacionais e respectivos recursos econômicos, tecnológicos, comunicacionais e humanos que estão longe de serem rápidos, fáceis ou baratos de serem estruturados adequadamente em um país imenso e ainda tão heterogêneo e desigual como o nosso.

Do ponto de vista exclusivamente do capital humano, a gestão de pessoas no setor público federal é um desafio de grandes proporções. Requer um trabalho incessante de desenho e redesenho de carreiras perfiladas aos grandes objetivos nacionais de desenvolvimento no século 21, a partir das quais todo um trabalho de seleção qualificada de quadros permanentes, profissionalização e responsabilização ao longo do ciclo de vida laboral dos servidores pode e deve se estruturar.

Para tanto, uma série de projetos e processos de trabalho estratégicos e inovadores estão sendo implementados ou aperfeiçoados desde 2023 pelo governo federal, tais como o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) e a nova lei de concursos recém-aprovada no Senado, a regulamentação do estágio probatório, o Dimensionamento da Força de Trabalho (DFT), o Programa de Gestão e Desempenho (PGD), a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP), a formação e valorização de lideranças no serviço público, a Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) com servidores, o observatório de pessoal da administração pública federal brasileira e a transformação digital e integração dos sistemas estruturantes em gestão de pessoas.

O processo de racionalização e modernização do Sistema de Carreiras é parte integrante e indissociável desse conjunto e foi colocado em marcha por meio da Portaria 5.127/2024.

Embora ela não tenha força de lei, permite não apenas organizar o debate público de forma mais qualificada sobre o tema, como ainda pode induzir o processo de transformação que nos interessa instaurar ao longo do tempo. Sucintamente, ela visa a:

  1. Criar ou aperfeiçoar instâncias de governança de carreiras para a sua melhor supervisão e coordenação para fins da alocação, movimentação e gestão de pessoas;

  2. Atualizar e harmonizar as funções e atribuições dos planos, cargos e carreiras, com vistas à modernização normativa dos mesmos;

  3. Transversalizar as formas de organização dos novos planos, cargos e carreiras, de sorte a permitir movimentações mais céleres e adequadas de servidores às necessidades da administração;

  4. Transformar cargos obsoletos e vagos em cargos com remunerações e atribuições mais adequadas, de natureza transversal e voltados à transformação qualitativa do Estado; e

  5. Equalizar as estruturas remuneratórias, por aproximações sucessivas, de agrupamentos de planos, cargos e carreiras similares, seja por áreas de atuação governamental, seja por níveis de escolaridade, seja ainda por níveis de atribuições administrativas dos mesmos.

Para reorganizar e racionalizar os cargos e as carreiras, o MGI procurará promover a atualização do trabalho desenvolvido pelos servidores, mediante a definição de atribuições mais amplas e complexas, de acordo com as áreas primordiais de atuação do Estado. Essa proposta reflete o necessário redirecionamento da atuação estatal para o atendimento dos desafios emergentes da sociedade brasileira no século 21.

Os cargos também poderão ser classificados em especialidades quando forem necessárias determinadas formações especializadas ou o domínio de habilidades específicas. Ademais, busca-se limitar a criação de cargos com atribuições similares aos já existentes ou com atribuições temporárias e/ou tendentes à obsolescência, além daqueles estritamente operacionais, de apoio lateral ou auxiliar.

Em relação à estrutura remuneratória, as diretrizes visam a simplificar e priorizar a remuneração em parcela única, associar titulações acadêmicas ao desenvolvimento na carreira e não apenas ao incremento de parcelas extras, vedar o tratamento remuneratório diferenciado para cargos de mesma natureza e com similar complexidade de atribuições e responsabilidades.

O texto pode ser acusado de genérico, mas tal crítica desconsidera o avanço que ele representa e a necessidade de se construir diretrizes aplicáveis às mais diversas carreiras do Estado, marcadas pela multiplicidade e heterogeneidade. Pretender estabelecer um texto único e homogêneo significaria engessar e prejudicar a gestão de pessoas no setor público.

As mudanças sugeridas acima precisam levar em conta que nem o paradigma organizacional da integração vertical completa do pós-guerra, nem o da horizontalização – via pejotizaçãouberização e precarização – levado ao extremo pelo setor privado, são referências válidas para a transformação qualitativa que o Estado brasileiro precisa realizar no século 21. Em nosso caso, trata-se de construir, em diálogo com as organizações públicas e entidades representativas dos servidores, um novo e mais adequado modelo de gestão e de governança de carreiras.

 

Fonte: Jota

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