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10 de agosto de 2023

Governo estuda manobra na Constituição para pagar precatórios em dia sem afetar

 

Equipe econômica discute propor PEC para classificar parte das dívidas judiciais como despesa financeira

 

Ministério da Fazenda estuda uma manobra para voltar a pagar em dia suas dívidas judiciais, os chamados precatórios, sem estourar os limites do novo arcabouço fiscal nem precisar mudar as metas para as contas públicas já sinalizadas pelo governo e que incluem zerar em 2024 o déficit primário (que desconsidera despesas com juros da dívida pública).

Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, a equipe econômica discute incluir em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) a possibilidade de classificar parte dos precatórios como uma despesa financeira. Isso deixaria o gasto fora do alcance do arcabouço e da meta de resultado primário, embora continue afetando o quadro fiscal ao impulsionar o endividamento do país.

 

As despesas financeiras incluem hoje o pagamento de juros a investidores e o resgate de títulos da dívida pública.

São diferentes das despesas primárias, que ajudam a promover os serviços públicos e incluem gastos com pessoal, benefícios sociais, custeio da máquina e boa parte dos investimentos.

Como os precatórios são passivos que envolvem folha de pagamento, benefícios previdenciários ou ações de custeio, eles também são considerados despesa primária. A única diferença é que foram reivindicados pela via judicial.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) quer regularizar essas dívidas, represadas após uma emenda constitucional aprovada no governo Jair Bolsonaro (PL) limitar seu pagamento com o objetivo de abrir espaço no Orçamento de 2022 para turbinar gastos em ano eleitoral. A medida foi apelidada por críticos de "PEC do Calote".

Sob as regras atuais, porém, a retomada do fluxo regular de precatórios piora o resultado primário e reduz o espaço disponível para gastos no novo arcabouço —consequências que a Fazenda quer evitar em um momento em que diferentes agências de classificação de risco melhoram a avaliação do Brasil com base no compromisso fiscal do governo.

Para driblar o problema, a ideia é dar tratamento contábil diferenciado aos precatórios pagos acima do limite vigente. O dispositivo seria incluído na PEC que vai mexer nos mínimos constitucionais de Saúde e Educação. Se o plano for adiante, esse montante das dívidas judiciais passaria a ser carimbado como despesa financeira.

Dessa forma, o governo poderia quitar o valor integral de dívidas judiciais, reportado pelos tribunais a cada ano, sem precisar mudar a meta fiscal, gesto que poderia ser mal recebido pelo mercado e pelas agências internacionais.

A proposta vem sendo discutida sob reserva entre Haddad e seus auxiliares e ainda está em construção —por isso, pode sofrer alterações. Procurado pela reportagem desde a manhã de terça-feira (8), o Ministério da Fazenda não se manifestou.

Críticos apontam nos bastidores que a manobra pode ser vista como uma reedição da contabilidade criativa adotada em gestões passadas do PT, que contribuiu para corroer a credibilidade da política fiscal. A medida permitiria ao governo maquiar gastos para entregar a qualquer custo a meta prometida.

 

Na segunda-feira (7), o governo propôs uma mudança no PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 que também foi interpretada como uma manobra de risco.

O Executivo encaminhou uma mensagem pedindo o aval do Congresso para excluir da meta fiscal R$ 5 bilhões em despesas de estatais federais no âmbito do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A ideia acendeu o alerta entre especialistas porque a meta das estatais pode ser usada para compensar eventual frustração no esforço fiscal a ser perseguido pelo governo.

A discussão sobre os precatórios pode resultar em um drible ainda maior. A regra que restringe o pagamento das dívidas judiciais vale até o fim de 2026, e o fluxo anual tem sido constantemente maior do que o limite disponível, levando ao acúmulo desse passivo.

Um ofício do Ministério do Planejamento e Orçamento obtido pela Folha estima que o estoque de precatórios não pagos em anos anteriores alcançará R$ 68,4 bilhões em 2024 com atualização monetária. Já o fluxo de novas dívidas judiciais seria de R$ 49,7 bilhões no ano que vem, ante um espaço de R$ 17,9 bilhões. Pela regra atual, a diferença de R$ 31,8 bilhões será incorporada ao saldo devido pelo governo.

 

O Tesouro avisou que, sem mudanças, o passivo acumulado pode alcançar até R$ 200 bilhões, a serem quitados integralmente em 2027. O órgão adotou como premissa a exclusão dessa despesa da limitação de despesas do arcabouço fiscal, mas isso não resolveria o resultado primário. Mesmo em um cenário de alta na arrecadação, o desembolso levaria o governo a registrar um déficit de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano de regularização.

Já o Ministério do Planejamento informou que todas as pastas podem ter suas despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos) zeradas em 2027 se não houver uma solução antes disso. A falta de verba não pouparia nem sequer a área da Saúde.

Além do risco envolvido na mudança da classificação contábil dos precatórios, o formato da proposta em discussão também chama a atenção. É bastante incomum incluir na Constituição, norma máxima do país, regras de contabilidade pública, geralmente tratadas em legislação ordinária ou manuais técnicos.

Propor a alteração por PEC indica mais uma tentativa de amarrar o entendimento do Banco Central —órgão responsável pelas estatísticas oficiais das finanças públicas brasileiras. É o BC que calcula o resultado primário para fins de verificação do cumprimento da meta fiscal.

 

O governo já tentou iniciativa semelhante no resgate de R$ 26 bilhões abandonados por beneficiários no Fundo PIS/Pasep, mas o tema acabou abrindo uma divergência com o BC.

A Emenda à Constituição 126, aprovada na transição de governo, diz que os recursos devem ser "apropriados pelo Tesouro Nacional como receita primária".

Com base nesse artigo, o Ministério do Planejamento incluiu a verba como receita primária no Orçamento de 2023, o que ajudou a reduzir o déficit —que, ainda assim, está estimado em R$ 145,4 bilhões, longe da promessa de cerca de R$ 100 bilhões feita por Haddad no início deste ano.

O BC, por sua vez, entende que o saque das contas do Fundo PIS/Pasep não representa "esforço fiscal" e, por isso, não serve para reduzir o rombo das contas em 2023.

Como mostrou a Folha, a instituição considera que a transação "aumenta os ativos financeiros da União, mas não impacta o resultado primário, sendo considerada, do ponto de vista dos fluxos, como um ajuste patrimonial". Na prática, o déficit é R$ 26 bilhões maior aos olhos do BC.

As classificações feitas pelo Banco Central obedecem a padrões internacionais. Isso evita a aprovação de metodologias distintas nos diversos países, ao sabor de preferências políticas, o que colocaria em risco análises e comparações.

Ainda assim, uma ala do governo entende que o trecho da emenda constitucional sobre o Fundo PIS/Pasep também condiciona o entendimento do BC. Por isso, a nova PEC em discussão é vista como mais uma tentativa de vincular a interpretação da instituição.

ENTENDA O IMPASSE DOS PRECATÓRIOS

O que fez a PEC dos Precatórios?

Quando ela foi aprovada?

O que motivou a proposta?

A regra vale por quanto tempo?

O que acontece em 2027, quando termina o prazo?

O que o governo estuda agora?

Fonte: Folha Express

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