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03 de agosto de 2023

Fim do ‘ponto’ abre caminho a reforma administrativa

 

É preciso avaliar desempenho e instaurar meritocracia para acabar com disparidades no funcionalismo

Modernizar a gestão do funcionalismo público tem sido por décadas tarefa urgente e sempre adiada no Brasil. É, por isso, alvissareira a instrução normativa baixada pelo Ministério da Gestão e da Inovação trocando o arcaico controle de presença por meio do “ponto” pela “produtividade”. Embora a medida tenha efeito restrito, pode representar o primeiro passo rumo a um sistema de avaliação de desempenho com base em metas. Seria fundamental para trazer a gestão pública brasileira para o século XXI, em linha com as melhores práticas do setor privado. Deveria também ser o embrião de uma ampla reforma administrativa, capaz de corrigir distorções inaceitáveis que persistem.

A mesma instrução normativa que alterou o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) definiu regras para o teletrabalho, integral ou parcial. Nada diferente do que passou a vigorar em empresas ou escritórios depois da pandemia. Pelas novas regras, cada órgão federal deverá solicitar adesão ao PGD. Diferentes departamentos poderão preservar o controle de “ponto” segundo as características do trabalho. Numa função de atendimento ao público regida pelo horário comercial, esse controle é compreensível. Nas demais, é apenas um remanescente de métodos de gestão incompatíveis com o trabalho moderno. “Usando modelos mais modernos, estamos substituindo o mero controle da disponibilidade por um controle de resultados”, diz o secretário de Gestão e Inovação do ministério, Roberto Pojo. Mesmo para aqueles que continuarem sujeitos a “bater ponto”, não deixará de haver em algum momento avaliação de desempenho.

Trata-se de iniciativa fundamental para poder premiar, promover ou demitir funcionários segundo a competência, e não com base nos privilégios estapafúrdios que fazem do setor público no Brasil uma máquina de geração e perpetuação de desigualdades. A reforma administrativa promovida em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, já estipulava a necessidade de avaliar o desempenho dos funcionários públicos e previa possibilidade de demissão por inépcia. A medida jamais foi regulamentada.

 

Como resultado, o funcionalismo brasileiro continua marcado por disparidades e privilégios inaceitáveis. Entre os 11,35 milhões de servidores, a distribuição de renda reproduz as desigualdades da sociedade, de acordo com levantamento divulgado na semana passada pelo Instituto República.org. Enquanto a maioria ganha menos de três salários mínimos, 1% do funcionalismo recebe mais de R$ 27 mil.

Os supersalários, que ultrapassam o limite estabelecido pela Constituição, são pagos a 0,06% do funcionalismo. Enquanto isso, os que ganham até R$ 5 mil representam mais de 70% do total. As disparidades são ainda maiores entre os Poderes. O servidor do Judiciário federal recebe em média R$ 18 mil, quase sete vezes o salário médio do servidor municipal (R$ 2.604). No Judiciário estadual, a remuneração média (R$ 10.162) supera todas as demais.

Instaurar critérios de avaliação que permitam promover os competentes e demitir os ineptos é essencial para eliminar essas distorções e modernizar a gestão pública. A norma baixada pelo Ministério da Gestão deveria representar o início de uma reforma que instaurasse um regime meritocrático no Estado, restringindo a estabilidade a carreiras em que é essencial para a função pública. É essa a meta a perseguir.

Fonte: O Globo

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