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08 de março de 2021

País se despede de Selic a 2% após efeito limitado no custo da dívida

 

 

Risco fiscal faz despesa cair com menos força do que em ciclo de cortes do governo Temer

O país começa a se despedir da taxa básica de juros (a Selic) de 2% ao ano após o mínimo histórico gerar um efeito limitado na redução do custo da dívida pública. O principal fator mencionado pelos analistas é a percepção de risco fiscal.

Apesar de contribuir para menores despesas do país com juros, o corte da Selic no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não gerou um efeito tão forte na dívida como na gestão do então presidente Michel Temer (MDB) —entre maio de 2016 e dezembro de 2018.

A Selic caiu para menos da metade do valor original durante o governo Temer (de 14,25% para 6,5%), enquanto o custo médio da dívida pública federal mostrou retração de 4,39 pontos percentuais (para 9,86% ao ano). Já Bolsonaro viu a Selic cair para menos de um terço do valor original em seu governo (de 6,5% para 2%), mas o custo da dívida caiu apenas 1,57 ponto percentual (para 8,29% ao ano em janeiro).

Mesmo que a análise sobre os números de Temer considerasse apenas os dois últimos anos de governo do emedebista (para haver um período igual de comparação com o governo Bolsonaro), o corte sobre o custo a dívida também seria mais forte durante a gestão do sucessor de Dilma Rousseff. A criação do teto de gastos (em vigor desde o começo de 2017) foi crucial para a queda desde 2016, segundo análises frequentes do Ministério da Economia.

Thomaz Sarquis, economista da casa de análises Eleven Financial, afirma que o grande limitador para a redução do custo da dívida tem sido a percepção de risco sobre as contas públicas e a consequente cobrança de taxas elevadas cobradas por investidores para emprestar ao país.

"O fiscal é determinante para o mercado falar: 'Pouco importa a Selic agora, não vou comprar título brasileiro a preço de banana'. O investidor reage às mudanças de humor e risco-país", afirma. "Não adianta forçar uma Selic a uma taxa excessivamente baixa e esperar que isso vá se materializar [proporcionalmente] no custo da dívida", diz.

Sarquis aponta que a redução da Selic ainda provocou como efeito colateral o encurtamento dos vencimentos da dívida pública, refletindo o descasamento da taxa básica com as expectativas dos investidores. "Quando o mercado vê um juro incompatível, ele não compra por muito tempo; mas se for menos tempo, aceita", diz.

Isso também fez a chamada curva de juros se tornar uma das mais inclinadas do mundo —com juros curtos mais baixos e longos mais elevados.

O Tesouro Nacional afirma que está entre os fatores para a elevação da curva de juros a percepção de risco fiscal, impulsionada pela magnitude dos gastos públicos para enfrentar a pandemia e seus efeitos.

Era projetada uma necessidade de R$ 376,3 bilhões em recursos com financiamento da dívida no início de 2020. Após a chegada da Covid, esse volume saltou para R$ 623,8 bilhões.

Uma pressão adicional nas taxas foi criada a partir de discussões entre governo e aliados sobre medidas interpretadas pelo mercado como dribles no teto de gastos, além do debate sobre o auxílio emergencial (também elevaram os juros no último mês iniciativas recentes do Executivo que desagradaram o mercado como a troca de comando na Petrobras e as críticas de Bolsonaro à política de preços da estatal).

Fernando Ribeiro Leite, professor do Insper, diz que o controle das contas públicas é um fator determinante para uma queda mais perene da dívida. "É um número [da Selic] historicamente baixo, então era de se esperar uma queda mais forte. De maneira geral, o custo da dívida vai estar associado com percepção sobre o fiscal", diz.

Neste ano, as incertezas dos investidores continuam. O CDS (Credit Default Swap, indicador de risco) do Brasil de 5 anos tem tido performance pior que os pares emergentes, principalmente em função das preocupações sobre a trajetória fiscal e o ritmo da agenda de reformas.

Enquanto Peru, Colômbia, México e Chile mostraram retração no CDS nas últimas semanas, o Brasil foi na contramão do movimento e viu seu indicador subir de 174 pontos no fim de janeiro para 181 pontos até meados de fevereiro.

Além do risco fiscal, Leite lembra também que o impacto da Selic na dívida é tradicionalmente limitado pela composição dos indexadores.

Os dados de janeiro do Tesouro mostram que 35% do estoque é indexado diretamente à Selic, enquanto outros 26% são indexados a índices de inflação --principalmente o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O indicador subiu de 3,75% em dezembro de 2018 para 4,52% ao ano ao fim de 2020, aumentando o custo com os títulos.

Em menor parte, também há uma fatia da dívida atrelada ao IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), indicador que escalou de 7,14% ao fim de 2018 para 23,14% ao ano ao fim de 2020.

Juliana Damasceno, especialista em finanças públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o Tesouro tem um percentual residual de títulos indexados ao IGP-M, que pararam de ser emitidos em 2006, mas que ainda influenciam no custo.

"No IGP-M temos um efeito muito maior da alta do dólar, especialmente em maquinários [ao produtor]. Considero que seja um repasse indireto ao custo da dívida", diz.

O percentual restante é sobretudo de papéis prefixados (34%), que têm remuneração estável --não estão diretamente relacionados às variações dos indicadores, embora tenham taxas mais caras ao serem emitidos em momentos de maior risco.

A inflação tende a elevar ainda mais os custos da dívida até a metade do ano, já que a expectativa oficial é que o IPCA chegue à casa de 7% no meio do ano (para depois descer, conforme as expectativas).

Além disso, haverá o próprio aumento da Selic. Já é praticamente consenso entre os analistas que a taxa básica vai aumentar em 2021, e não se sabe quando ou se o patamar de 2% será visto novamente.

Parte dos analistas prevê que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central eleve a taxa já na reunião de 17 de março, mas há também apostas de que o aperto começará apenas em maio.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já disse várias vezes que voltar para um cenário de juros altos com a dívida no patamar atual custaria caro ao país. A dívida bruta alcançou 89,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em janeiro (em dezembro de 2019, estava em 74,26%).

Desde o início da pandemia, a dívida bruta, que segundo dados do BC alcançou 89,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em janeiro. Em dezembro de 2019, a dívida estava em 74,26% do PIB.

Em um evento realizado em novembro do ano passado, Campos Neto alertou que a alta de juros com a dívida em patamares elevados geraria o que chamou de efeito pobreza e poderia travar o crescimento da atividade econômica, em um círculo vicioso.

A dívida nominal muito grande com taxas de juros muito baixas gera risco maior", destacou. "O mundo começa a melhorar, os juros sobem e criam um efeito pobreza tão grande que cancela o crescimento antes de ele nascer. Podemos entrar em um círculo vicioso nesse sentido", afirmou o presidente do BC.

Fonte: Folha de São Paulo

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