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10 de setembro de 2020

Reforma administrativa e os futuros ‘guardiões’ de gabinetes

FOTOS: DIVULGAÇÃO (Rodrigo Spada e Bruno Carvalho)

 

Causou escândalo a divulgação recente do caso dos “Guardiões do Crivella”: o uso de funcionários da prefeitura do Rio de Janeiro, contratados por meio de cargo comissionado ou funcionários de empresa terceirizada, para hostilizar repórteres e dificultar a divulgação de informações para a imprensa. Sabendo da fragilidade de seus empregos, que poderiam ser cortados a qualquer momento por um mero ato discricionário do prefeito Crivella (Republicanos) eles se sujeitavam a funcionar como militantes particulares do governante ao invés de servir a / (Republicanos) a população. Os objetivos dos “Guardiões” então, eram não prestar serviços ao povo, mas sim ajudar a perpetuar o prefeito e seu grupo no poder.

Poucos dias após o caso virar notícia nacional, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou sua PEC de reforma administrativa. Nela, dentre outras mudanças, o regime jurídico único que rege hoje os servidores públicos é substituído por cinco outros regimes. A principal mudança é que para todos os futuros servidores, exceto aqueles que a lei futuramente definirá como ocupantes de “cargos típicos de Estado”, a estabilidade funcional, hoje garantida pela constituição a todos os servidores (exceto ocupantes de cargos comissionados), é quebrada.

Ao definir e ampliar as possibilidades de contratação temporária, terceirização, contratação por tempo indeterminado sem estabilidade, além de reviver a figura da transformação de cargos, a PEC fere de morte a profissionalização do Serviço Público, abrindo espaço para o patrimonialismo e a corrupção. É um retorno à situação anterior a Constituição Federal de 1988, e com isso perde toda a população brasileira. Sob a desculpa de “modernizar” o Estado, retornamos a uma situação vivida no século passado, “protegendo” somente os ocupantes de “cargos típicos de Estado”.

Ainda assim, a proteção a estes ocupantes de “cargos típicos de Estado” é frágil devido ao estatuto do “vínculo de experiência”. Aprovada a PEC, os governantes deverão impor aos futuros concursados, independentemente do cargo a ser ocupado, um “vínculo de experiência” com duração de anos (a PEC fala em um mínimo de 1 ou 2 anos, mas não estabelece máximo), durante o qual não há estabilidade no emprego. Pior ainda, dentre os contratados por esse vínculo, somente aqueles “melhor avaliados” serão definitivamente incorporados ao serviço público por tempo indeterminado.

Imaginemos um concurso para professor. O concurso possui 20 vagas para contratação definitiva, e 200 vagas de “experiência”, definida no edital para três anos. Na vaga de “experiência” serão contratados os 200 professores “trainee”, que trabalharão por três anos, para que ao final do período somente os 20 “melhores” (definidos pelos critérios que o gestor decidir) continuarão a integrar o serviço público (com estabilidade somente se for “cargo típico de estado” e se for aprovado no estágio probatório) e os demais 180 perderão o emprego.

A que se sujeitarão esses 200 professores para garantir não só o seu emprego atual, mas a contratação definitiva futura? Se a pressão da perda do emprego é suficiente para transformar ocupantes de cargos comissionados e funcionários terceirizado em “Guardiões”, imaginemos a perspectiva da recompensa futura da estabilidade, restrita a uma minoria do serviço público? A precarização dos vínculos torna os servidores futuros os “Guardiões de gabinetes”, colocando eles a serviço do governante de plantão e seu projeto de poder, e não da população brasileira.

 

*Rodrigo Spada é presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp)

*Bruno Carvalho é auditor fiscal da Receita Estadual do Piauí (Sefaz/PI), onde atua no combate a crimes contra a ordem tributária

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