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22 de abril de 2013

"PROPOSTA DE UNIFICAR ICMS FAVORECE DESIGUALDADE", AFIRMA ESPECIALISTA

Antes mesmo que tivessem início, as negociações para tratar da redução do ICMS – Imposto Sobre Circulação de Mercadorias – nas operações interestaduais já anunciavam o embate entre diferentes lados do Brasil, o “desenvolvido”, e o “emergente”, representados respectivamente pelos estados do Sul/Sudeste e pelas federações do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Em jogo, interesses determinantes para o desenvolvimento das economias estaduais e consolidação da reforma tributária.

Com perspectivas de ser votado nesta semana no Senado, a proposta de mudar as regras do jogo dos impostos tem como maior argumento, defendido pelo governo federal, o fim da desorganizada competição fiscal na qual o país se inseriu. Situação que ocorre quando mesmo sem a aprovação unânime de todas as unidades federadas no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), como exigido na atual legislação tributária, os estados dão incentivos fiscais para atrair investimentos de empresas.

É a situação que se convencionou chamar de “guerra fiscal” no Brasil. Para André Horta Melo, um nome que “estigmatiza” uma saída encontrada pelos estados mais pobres para equilibrar o jogo econômico. Representante do Rio Grande do Norte na Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe/ICMS), o auditor fiscal reforça que o assunto ICMS não é tratado adequadamente quando se pensa em reduzir as desigualdades econômicas entre as federações.

Horta explica que a mudança na alíquota do ICMS passou a envolver outros assuntos e ganhou uma complexidade que dificulta a votação. Por ameaçar a queda de arrecadação de estados mais ricos e as políticas de incentivo fiscal que garantem às federações menos favorecidas a atração de empresas, a votação tem sido vinculada à criação de fundos de desenvolvimento e compensação de perdas.

Além disso, as unidades federadas discutem os mecanismos de aprovação dos projetos de isenção fiscal no Confaz, que exige unanimidade para autorizar os estados a oferecerem incentivos.

Alíquota injusta

A alíquota final do ICMS é de 17% no Rio Grande do Norte. Se um produto é comprado no Rio de Janeiro, 7% do imposto é recolhido lá, na origem da mercadoria ou serviço, enquanto 10% fica para o RN, destino do item. Quando a operação ocorre ao contrário, 12% do imposto vai para a origem, RN, e 5% é direcionado para o destino, RJ. Nos negócios entre dois estados menos favorecidos, como Rio Grande do Norte e Paraíba, a alíquota permanece em 12% na origem.

Na avaliação de André Horta, a lógica começou errada no momento em que se estabeleceu o recolhimento de parte do imposto na origem, na maioria das vezes estados do Sul e Sudeste. “Desde o inicio falhamos em criar um imposto de consumo, cobrado no destino. Quando se recolhe na origem é o contribuinte do RN sustentando economicamente o Rio de Janeiro. Os estados mais ricos conseguem arrecadar o ICMS do seu contribuinte e dos outros”, critica.

O representante do ICMS no estado classifica o fenômeno como “saque fiscal”, já que um estado como São Paulo vende muito mais do que compra às federações menos favorecidas. “É um fenômeno onde há uma espécie de parasitismo, em que os maiores parasitam o tributo dos menores”, afirma. Mesmo com o benefício de ter alíquota diferenciada nas negociações com os mais ricos, a desvantagem dos estados “emergentes” é notória.

 

Para se ter ideia, cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná) responderam por 63,3% da arrecadação de ICMS no ano passado no Brasil. “Embora no pacto federativo esteja constando como tributo para sustentar as unidades federadas, o ICMS não sustenta”, explica. Entretanto, André Horta lembra que como o imposto não funcionava para vender, os estados encontraram uma nova funcionalidade, a de isentar do tributo as empresas que se interessassem em investir em seus territórios, os conhecidos incentivos fiscais.

No RN, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento (Proadi) do governo estadual é ameaçado pela redução do imposto. O programa permite o financiamento de até 75% do ICMS a ser pago pelas indústrias beneficiadas. Atualmente as empresas que fazem parte do Proadi geram, juntas, cerca de 32 mil empregos no estado.

Redução do ICMS

Defensor do destino puro, no qual toda arrecadação ocorre no estado que consome, o representante do RN no Cotepe/ICMS ressalta que ter a alíquota zerada seria o ideal. “É a unificação zerada. Que não se cobre nada quando eu enviar”, diz. No entanto, a proposta de unificação do governo federal desagrada as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso porque o índice oferecido foi de 4%, a ser igualado progressivamente até 2021. De acordo com Horta, é o número mágico para as federações mais desenvolvidas.

“Para começar, das alíquotas cobradas na origem – 12% quando menos favorecidos vendem e 7% quando o produto parte dos mais ricos – eles cedem 3% e nós cedemos 8%. Então 4% é um número muito interessante do ponto de vista de quem é desenvolvido. O estado continua parasitando o imposto de consumo de outras federações, que por sua vez não têm mais nenhuma alíquota para reagir com as políticas de incentivo fiscal”, analisa.

Sem a vantagem comparativa de isenção fiscal ao se instalar em regiões menos desenvolvidas, as empresas preferem os estados ricos, onde o mercado consumidor é mais forte e a oferta de matéria prima é maior. Insatisfeitos, os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste fizeram contra propostas de uma alíquota assimétrica. Hoje a ideia é deixar o índice em 7% para os menos favorecidos e 4% para os mais desenvolvidos. “É preciso baixar progressivamente com sacrifícios proporcionais”, explica Horta.

O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o governo já concorda em flexibilizar a proposta para 7 e 4, porém impondo uma condição: a regra só vale para produtos industrializados. Outra condição para deixar o jogo em 7 e 4, por parte dos estados do Sul e Sudeste, é que não se quebre a unanimidade nas decisões do Confaz. “Quando se pensa em política de incentivos, não vai passar nada no conselho”, diz.

Horta avalia que já passou o ponto de ceder às propostas do governo federal e estados mais ricos. “Estamos evitando o impensável e não dá mais para abrir mão”. No entendimento do representante do RN no Cotepe/ICMS, a votação para reduzir a alíquota deve ser feita com garantias sobre o fundo de desenvolvimento regional e amarrado à quebra de unanimidade no Confaz. “Se você fizer os três você faz uma transição e avança em duas décadas na questão tributária do país”.

A polêmica competição fiscal

De imposto para sustentar os estados a partir da arrecadação, o ICMS se tornou uma ferramenta para os federados menos abastados atraírem o interesse de empresas. Como? Deixando de cobrar o tributo em sua integralidade. “As empresas vêm, geram empregos e mais renda circula no estado, que por sua vez atrai novos negócios para dar vazão a essa demanda. E assim se faz o ciclo econômico”, explica Horta. No entanto, a legislação tributária limita os incentivos fiscais.

A Lei Complementar 24, de 1975, exige votação unânime no Confaz, que reúne os secretários de Fazenda de todo o Brasil, para que incentivos fiscais possam ser aplicados. “Você quer uma fábrica de tecidos no RN e oferece melhores condições do que Minas Gerais. O pleito vai ser votado. É claro que isso não funciona”, observa o representante do Cotepe/ICMS.

Mesmo sem a devida autorização, os estados concedem os benefícios, ocasionando o que André Horta avalia como uma política de incentivos desorganizada, também chamada de “guerra fiscal”. A solução para o problema, que seria mudar a regra para concessão das isenções fiscais no âmbito do Confaz, vem sendo negociada para ser votada “amarrada” à redução da alíquota do ICMS.

É o Projeto de Lei 238/2013, que transforma o quórum de unanimidade para três quintos dos estados do país e um terço das federações de cada região no Confaz. A proposta está parada no Congresso Nacional, porém foi apresentada pelo senador Wellington Dias (PT-PI) no Senado. Junto à medida provisória para criação de fundos de desenvolvimento regional, a votação da PL 238 é uma das exigências colocadas em jogo para a redução das alíquotas do ICMS.

Fundos de desenvolvimento

A discussão em torno da redução do ICMS envolve a criação de dois fundos, um para compensar as perdas de arrecadação, e outro para investimentos no desenvolvimento regional dos estados. Ambos estão previstos na Medida Provisória 599/2012, que vem gerando polêmica entre as unidades federadas.

Enquanto o Fundo de Compensação de Perdas restituirá todos os estados pelas quedas de arrecadação, André Horta acredita que o Fundo de Desenvolvimento Regional deveria ser voltado exclusivamente para os menos favorecidos, que perderão a ferramenta dos incentivos fiscais. “Os estados do Sul e Sudeste também vão receber.  Se os menos favorecidos é quem estão usando as políticas de incentivo, por quê dividir para todos os estados?  Não é um fundo de desenvolvimento regional, é um fundo de desenvolvimento nacional”, critica.

O formato também desagrada as federações do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O representante do ICMS explica que tem sido exigida a constitucionalidade do projeto, hoje colocado como medida provisória, que não possui a mesma força de uma lei, o que gera insegurança no ponto de vista dos estados mais pobres.

No Fundo de Desenvolvimento Regional, a MP 599 propõe investimentos de R$ 222 bilhões, distribuídos ao longo de 20 anos. “O valor é ofertado para o país todo e não compensaria nem o Nordeste para se manter, quanto mais atrair novas empresas”, afirma Horta, para quem a desigualdade regional só poderá ser resolvida quando o governo federal investir de fato nos locais que mais necessitam de desenvolvimento.

 Fonte: Portal no Ar

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